Com
novas crônicas e depoimentos ficcionais inéditos, a autora celebra obra
que já inspirou programa de TV e provoca a reflexão em leitores há uma
década
Dez anos após a publicação do seu primeiro livro de crônicas, Andréa
Pachá sentiu a urgência de escrever novos textos, que dessem conta das
muitas transformações sociais, políticas, econômicas e afetivas no
Brasil. Desse desejo nasce a edição comemorativa de A vida não é justa, que chegou às livrarias pela Intrínseca em dezembro, como uma afirmação da vida apesar da barbárie destes novos tempos.
“Tanto as mudanças boas quanto as ruins, tanto as transformações humanas
quanto as pós-humanas vieram para ficar. A fragmentação e a fragilidade
das relações afetivas, em um país tão desigual quanto o Brasil, é uma
realidade sem retorno. Daí porque é importante olhar para a realidade
com coragem e curiosidade, evitando que os faróis se voltem para o
passado e não projetem o futuro”, avalia Andréa.
A obra une as crônicas da primeira edição a textos e depoimentos
ficcionais inéditos, que refletem as mudanças vertiginosas ocorridas na
sociedade em um período tão curto. São histórias de perplexidade, muitas
sem respostas. Algumas dão voz às mulheres, grupo que mais sofre com a
escalada do ódio e da misoginia. Já a intolerância religiosa aparece no
relato da mãe que corre o risco de perder a guarda da filha após ser
injustamente denunciada por uma professora neopentecostal. A educadora
proibiu a aluna de usar turbante na escola após realizar um ritual no
candomblé e acionou o conselho tutelar. “Eu só queria que eles ouvissem a
Naiara. Ela é do candomblé porque quer. É escolha dela (...) não
aguento ver Naiara com medo de ir para a escola, com vergonha de usar o
turbante que ela adora. Ela só tem treze anos”, lamenta a mãe, Flávia.
Dessas novas reflexões, três histórias estão relacionadas à pandemia de
covid-19 — período em que o desalento ficou ainda mais evidente. Entre
elas, a de Carla, que viu seu marido ser contaminado pelo negacionismo
propagado nas redes sociais a ponto de não reconhecer mais a pessoa com
quem se relacionava havia dezenove anos. A mudança foi progressiva e
culminou com a compra de uma arma — a gota d’água para a inevitável
separação. Estava em jogo a guarda compartilhada do filho com o pai, que
se recusava a tomar a vacina e usar máscara.
A crônica revela as consequências nefastas do discurso de ódio propagado
nos últimos anos na vida de muitos brasileiros. “Como Carla, também eu
vinha acompanhando os estragos que os descaminhos da política e das
redes sociais provocavam na sociedade. Nas famílias, parentes e afetos
se desfaziam pela insistência de publicações mentirosas em grupos de
WhatsApp e pela apropriação de palavras, para fazê-las representar
exatamente o oposto daquilo que significavam. Liberdade, ética e verdade
eram as palavras mais maltratadas nesse cenário que se anunciava”,
revela a autora.
Como uma espectadora privilegiada, Andréa Pachá presidiu milhares de
audiências que envolviam divórcio, pensão alimentícia, guarda e partilha
de bens. Depois de todos esses anos de reflexões e histórias, a
magistrada oferece um conjunto de crônicas que trazem toda a diversidade
das experiências humanas quando o assunto é família.
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